Insegurança alimentar e pandemia: um combo para a desnutrição

No Brasil da pandemia, 19milhões de pessoas passam por uma insegurança alimentar grave.

Insegurança alimentar é quando alguém não tem acesso pleno e constante a alimentos. Atualmente, ainda em meio à pandemia, mais da metade da população brasileira está nessa situação, nos mais variados níveis: leve, moderado ou grave. E a insegurança alimentar grave afeta 9% da população – simplificando, 19 milhões de brasileiros estão passando fome. Os dados são do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), como parte do projeto VigiSAN.

Os resultados mostram que nos três meses anteriores à coleta de dados para a pesquisa, apenas 44,8% dos lares tinham seus moradores e suas moradoras em situação de segurança alimentar. Isso significa que em 55,2% dos domicílios os habitantes conviviam com a insegurança alimentar, um aumento de 54% desde 2018.
Do total de 211,7 milhões de brasileiros(as), 116,8 milhões conviviam com algum grau de insegurança alimentar e, destes, 43,4 milhões não tinham alimentos em quantidade suficiente e 19 milhões de brasileiros(as) enfrentavam a fome. Observou-se que a insegurança alimentar em nível grave no domicílio dobra nas áreas rurais do país, especialmente quando não há disponibilidade adequada de água para produção de alimentos e aos animais.
Com este cenário, não resta dúvidas de que a combinação das crises econômica, política e sanitária provocou uma imensa redução da segurança alimentar em todo o Brasil. A fome no Brasil é um problema histórico, mas houve um momento em que fomos capazes de combatê-la.
Entre 2004 e 2013, os resultados da estratégia Fome Zero aliados a políticas públicas de combate à pobreza e à miséria se tornaram visíveis.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2004, 2009 e 2013, revelou uma importante redução da insegurança alimentar em todo o país. Em 2013, a parcela da população em situação de fome havia caído para 4,2% – o nível mais baixo até então. Isso fez com que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura finalmente excluísse o Brasil do Mapa da Fome que divulgava periodicamente.
Mas esse sucesso na garantia do direito humano à alimentação adequada e saudável foi anulado. Os números atuais são mais do que o dobro dos observados em 2009.

E o retrocesso mais acentuado se deu nos últimos dois anos. Entre 2013 e 2018, segundo dados da PNAD e da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), a insegurança alimentar grave teve um crescimento de 8,0% ao ano. A partir daí, a aceleração foi ainda mais intensa: de 2018 a 2020, como mostra a pesquisa VigiSAN, o aumento da fome foi de 27,6%.
Ou seja: em apenas dois anos, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões. Nesse período, quase 9 milhões de brasileiros e brasileiras passaram a ter a experiência da fome em seu dia a dia.
A pandemia não só afetou a saúde de forma respiratória, mas também auxiliou no crescimento do número de pessoas desnutridas. Em meio ao caos da lotação de hospitais e demais unidades básicas de saúde, não foram poucos os casos de pessoas indo ao buscar ajuda médica para sintomas que pareciam covid, mas na realidade se tratava de um quadro de desnutrição. Fernanda Costa Souza (33) é estudante de nutrição e ela fala um pouco sobre as diferenças mais perceptíveis da desnutrição, para evitar confundir com o coronavírus.
“Cansaço excessivo, a falta de energia, a queda no sistema imunológico são sintomas de desnutrição. A população estava indo aos postos de saúde, achando que estava com Covid e na verdade estavam desnutridas. Essa situação está se agravando muito, então o ideal é que essas pessoas procurem ajuda médica ou um especialista para identificar esse quadro de desnutrição.”
Um dos fatores que tem levado pessoas a enfrentarem essa situação é a questão da baixa renda. Alimentos como carnes, peixes, frutas, legumes e verduras custam uma grande parcela dos rendimentos dos mais carentes, que desse modo acabam por preferir alimentos ultra processados e enlatados, que matam a fome e custam menos, como, por exemplo, biscoitos recheados, miojos, sopas prontas, conservas e congelados. Assim, essa baixa qualidade dos alimentos ingeridos, ricos em açúcares e carboidratos, leva o indivíduo a ganhar bastante peso, no entanto sem oferecer também recursos importantes para o bem-estar como nutrientes, vitaminas e minerais, gerando uma situação chamada de “fome oculta”.
A fome oculta ocorre quando uma pessoa, embora não esteja passando fome, aquilo que come não lhe garante saúde e bem-estar, nem fornece o suporte que precisa para se fortalecer. O quadro geral então nos mostra que enquanto uns comem muito pouco do que precisam, se tornando magros e desnutridos, outros comem muito daquilo que não precisam, se tornando então obesos e desnutridos por conta da baixa qualidade nutricional.
A estudante de nutricionismo dá algumas dicas de como manter uma alimentação saudável e barata.
“Eu sei que o poder aquisitivo pode ser um fator limitante, por isso eu vou deixar algumas dicas de como ter uma alimentação saudável gastando pouco. Independente da classe social, cor ou idade, é preciso ter cuidados com a sua alimentação para evitar problemas maiores com a sua saúde. Então para comer bem e ter uma boa saúde, além de se manter em forma, é preciso ingerir alimentos saudáveis, os quais podem ser encontrados em um preço baixo em feiras, supermercados.
Os alimentos mais indicados para o consumo são as frutas, as verduras, os legumes, eles proporcionam vários benefícios a nossa saúde. Então, o segredo é também fugir dos produtos industrializados, sendo eles cheios de gorduras trans que para o nosso organismo é terrível. É preciso variar bastante o cardápio, apostando em pratos mais coloridos. Quanto mais colorido o prato, melhor, pois cada cor apresenta um nutriente diferente para suprir as necessidades do corpo.
Então, os carboidratos devem compor 50% a 60% de nossa alimentação. Já as gorduras, 25%. As proteínas, 15%. Por isso o importante é variarmos o prato, deixarmos o prato colorido.
Então para gastar menos nas compras do mês, a maior dica é organizar-se. Antes de ir as compras, você deve ir ao supermercado pesquisar os preços, com uma lista de alimentos saudáveis que você incluirá na sua alimentação. Além disso, vários alimentos podem ser encontrados por um bom preço nos mercados, basta saber aproveitar as promoções em determinados dias da semana, onde eles fazem promoções para estimular as vendas. Por isso, esteja sempre de olho nas ofertas para adquirir bons produtos. Assim você consegue comer bem e economizar nas compras.”
Transformar os sistemas alimentares é essencial para alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e colocar dietas saudáveis ​​ao alcance de todos. É preciso modificar o quadro da fome, mas também olhar para aqueles que aparentemente estão fora dessa linha, e que apresentam quadro de desnutrição não porque não comem, mas porque comem mal.
Sendo assim, fazer com que pessoas tenham acesso a uma dieta mais saudável e equilibrada é a melhor maneira de prevenir tanto a desnutrição quanto a obesidade. Mas como infelizmente ter uma alimentação a base de legumes, frutas, verduras, cereais e proteínas tem se tornado algo cada vez mais caro, os governos devem atuar para diminuir as grandes diferenças entre ricos e pobres, ou seja, entre quem pode comer bem e aqueles que comem para sobreviver.
Então, para encerrar, vamos ficar com a música “Quem tem fome, tem pressa”, lançada para a campanha ‘Natal Solidário 2020’ e interpretado por diversos artistas, como Anitta, Alcione, Caetano Veloso, Criolo, Ludmilla e muitos outros. Em sua letra, há uma parte que diz:
“Quem tem fome tem pressa

Não pode esperar

A fome é perversa

Não dá pra negar

E quem alimenta esse monstro do mal

É a desigualdade social”

Vídeo: Insegurança alimentar e pandemia: um combo para a desnutrição